30/06/2009

Romper as margens

Vou sair para dentro de mim a procurar.
Quero descobrir a forma de romper a vida,
De alargar as margens do comum e encontrar,
A força que tem o rio na distância do mar.
Quero viver como riacho que desce inquieto
E cresce no espaço com um rumo certo,
Na busca do ideal que o transforme
Em rio, em mar, em oceano.
Serei feliz, desperto pra vontade de errar.
De fazer o novo a cada instante, reinventar,
Envolver, crescer, expandir a vela, navegar
Sair , romper as margens.
Quero encontrar a simplicidade das cores
A indefinição de forma das gotas de orvalho
A plasticidade etérea das correntes de ar
Estar comigo mesmo frente a frente
Ver e olhar consciente.
Viver a vida intensamente.

Albano Solheira

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Povo Trasmontano

Povo de alma, teu nascimento,
Remonta ao nascer do tempo.
Na Tua origem se misturam povos
Iberos, Celtas, Romanos, Visigodos.

No Inverno e no Inferno foste curtido,
Caráter esculpido no rigor da natureza.
Seis meses de frio, quatro de calor e estio
Elementos presentes na tua nobreza.

O jeito rude esconde o espírito sensível
A alma nobre e sábia que irradia beleza.
Tua mão firme faz acontecer o impossível,
Brotar vida e esperança na infértil dureza.

Foste agricultor, construtor, comerciante
Trabalhaste, em outros países, imigrante
Pra dar aos teus rebentos algo importante
E fazê-los vencedores num futuro brilhante

Geraste e criaste filhos, tua descendência
Percorreu o mundo e desbravou nações
Orgulhosa de sua origem e precedência
Manteve viva, propagou as tuas tradições

Curvado pelo trabalho na intensa lida
Rigor da estação e situações adversas,
Vives um dia cada vez, vida sem pressas.
Certo de estar com a missão cumprida.

Raça trasmontana és cosmopolita
Pelo mundo afora teus filhos estão
Para que a todos seja sempre dita
A garra a fibra deste povo e nação.



Albano Solheira



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Foto: Abilio Freitas

29/06/2009

Castelo Branco

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Foto Abilio Freitas



Povo de meu pai e minha mãe
Onde cresci ate meus nove anos
Povo de meus sonhos e raízes.
Berço, de minha infância.
Onde volto tantas vezes que chego a pensar
Que daqui não saí.

Devoção,
Livro que escrevi e releio
Vezes sem fim.

Paginas de criança
Que brinca a descobrir o mundo.
Personagens vivos de minha historia
Relidos com outros olhos
Mas com a mesma emoção.

Ainda corro pelas ruas
Como corria quando menino.













26/06/2009

Lavrador de versos

Vivo como um lavrador de versos,
A arar, o papel, com mil palavras.
A cada dia vinco mais dispersos,
Sulcos, das minhas idéias e lavras.

Soltam-se da minha folha mensagens,
Sonhos longos, eternos, profundos
Palavras novas, vontades, miragens,
Rodas vivas, visões de novos mundos.

Com a profundidade de estar perdido
Entre a vontade de conhecer saborear,
Tudo o que tiver maior valor sentido
O amor, viver, ou um simples pensar.

Procuro, o renascer, o constante chegar
Nesta lavoura, da vida, eterno advir.
Busco uma forma de sempre germinar
E com novo jeito ser, viver e sentir.

Albano Solheira
castelo branco Carlos Costa
Foto: Carlos Costa

Sulcos

Olho o campo lavrado
Perco o olhar a seguir os sulcos.

Imagino o lavrador
Indo e voltando, vezes sem fim.
Vida simples, arar a terra...
Feliz quem sabe viver assim:
Atento aos sinais dos tempos
Lendo as estações e os ciclos,
Cumprindo a roda da vida.
Lavrar, plantar, colher.

Ingênuo, fico a imaginar
Que tua vida é um mar de paz
Como se a vida simples de alguém
Fosse desprovida de complexidade.

Volto a olhar os sulcos
Imagino teus olhos na charrua
Pondo a esperança na terra
Indo e voltando de novo
Nesse trabalho infinito.

Lembro que a terra e o tempo
Não tem ciclos perfeitos
As estações e os dias
São incertos, como a vida.

Caio em mim, ao te dar uma alma
Imagino que em ti as incertezas da vida
São as mesmas que eu tenho.

Vejo os sulcos semeados,
Entendo então,
Que tua angustia e apreensão
São fruto do provir, do que pode acontecer, ou não.

Este campo verdejante ainda arado
Deixa meu ser ali espantado
Por ter visto da simplicidade
Caminho simples ingênua felicidade.

Mania de ver as aparências
De não querer olhar mais longe
Em profundidade.

Albano Solheira
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Foto: Artur Claro

Sarrão de borrego

Um sarrão de borrego a pender das costas.
Pastor de ovelhas e mil pensamentos.
Pastoreia o rebanho descendo as encostas
E guardas do mundo os teus sentimentos.

As rugas do sol, vincam no teu rosto,
Sinais dos trabalhos passados na vida.
Cansaço aparente, o dia já posto,
Trazem do poente o final da lida.

Olhos sentinelas sempre acostumados,

O dia que finda, te apressa os passos,
Fazendo o rebanho correr nervoso.
Rodeia o olival, gritas ás ovelhas,
pedradas certeiras evitam que entrem.

Os cães vão ladrando rodeando o caminho
Levando o rebanho inteiro prá corte.

Chegas no curral, já veio a patroa,
Ajuda na ordenha, enquanto conversas.
Falas do teu dia, das coisas caseiras,
Dos filhos na escola, trabalhos canseiras.

A ordenha vai rápido, em ritmo apressado,
Pela fome e cansaço do dia vencido.
Voltam com as cântaras, de leite ainda quente.
Com passo apressado a caminho de casa.
Encontram na rua vizinhos, parentes,
Dão-lhes boas noites, e seguem andando.

Os filhos inda brincam ao pião lá na praça.
Chamam o mais velho pra que traga os irmãos.
Reclama o pirralho sem querer terminar.
A mãe sem rodeios o chama que venham,
E já entra em casa, sem deixar retrucar.

Na lareira a panela já ferve á espera,
Com caldo de vazas e carne de cerdo.
Sentam-se nos bancos, a roda do fogo,
Esquentam os corpos do frio da rua,
A olhar com fome a panela no lume

A mãe vai servindo a todos com pressa
Malgas fumegam nas mãos dos miúdos.
Comida e bençãos de um lar, aconchego,
Perfuma de sopa pela cozinha inteira,
A alma de todos sossega por fim.
Depois de estarem fartos a mãe se aconchega
Senta-se por fim para comer também.

Escutam os filhos falarem das rodas
De pião e do fito no pátio da escola.
Riem dos trejeitos do mais novo a contar
As artes e fugas no recreio a brincar.

A noite já cresce no serão da aldeia
Rezam as trindades ao bater dos sinos.
Os chupões calaram nas brasas cinzentas.
Vão todos á cama na noite .
Dormem sossegados o sono dos justos.
Vida que se revive, simples, a.

Os galos já cantam o raiar da aurora
Recomeçam vidas, ricas de alegria.
Trabalham pela vida, a vida e mais nada,
Vidas de trabalho pra educar os filhos.
Filhos que um dia de lá vão partir
Querem ser doutores lá na capital.

A aldeia chora, já não há rebanhos
As portas fechadas não dão mais boa noite.
O silencio enche as ruas de nada
De um vazio amargo, solitário e mudo.

Sentam-se na porta á espera dos netos
Que chegam e partem como as andorinhas.
Lembram-se dos filhos quando ainda crianças
Brincando por perto quanta alegria.

Enche-lhes o ser uma dor sentida
Lembranças, saudades, contidas no peito
dos tempos que foram dos dias de outrora da aldeia viva.
Dos putos na escola quanta confusão

Olham um pro outro e falam do tempo
Do vento seeiro, culpam a estação.
E o outono chega, da vida e do tempo
A vida que parte pra sempre alem

Que descanse em paz nossa gente boa
Gente de trabalho de verdade e vida
Gente Trasmontana, raça destemida.

Saibam os mais novos trazer-lhe a vida
A esta região tão nobre e valente
Terra do Tua do Sabor e Douro
Terra deste povo, nosso berço, nossa gente.

Albano Solheira
fotos do norte 100
Foto: Artur Claro
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