07/04/2013

Vila Velha

Ha muito tempo por ordem Del Rei, Dom Dinis, três frades da ordem Beneditino, chegaram a estes lados para pastorear o rebanho das almas dos cristãos que ocupavam as terras reconquistada dos sarracenos.

Os cavaleiros templarios da ordem de Cristo, lutaram durante anos para livrar estes vales dos invasores. Rios de sangue e batalhas sem fim fizeram ecoar nas encostas os gritos dos guerreiros e do aço das espadas. Mas enfim a paz reinou e as lutas mudaram para outras localidades ao sul do rio Douro. Enfim a população retomou as atividades de pastoreio e agricultura e fez-se necessário instruir os habitantes técnicas de cultivo que garantissem o sustento e a fixação para repovoar e garantir a continuidade do reino.

Os Beneditinos foram escolhidos pelo monarca pela característica mais pratica, eram frades que oravam e trabalhavam. No entorno de seus conventos as populações, cresciam e prosperavam graças aos ensinamentos dos frades, nas técnicas de cultivo e manuseio das terras, sementes, e criação de gado.

Um frade e dois noviços do convento foram enviados pelo abade do Priorado de Nossa Senhora da Assunção de Lamego para iniciar a paroquia de Santa Maria.

A primeira atividade foi erguer a capela que depois de pronta agregaria os fieis e aproximaria as almas de seus guias espirituais facilitando o trabalho de evangelização e aprendizado das lidas dos campos e rebanhos.

Vieram frades e gentes de varias paroquias e da sede do convento. Um grande mutirão que reuniu, aldeões, artesãos e religiosos de todo o concelho. Em duas semanas levantaram as paredes da nave principal e da sacristia. Depois em mais uma semana cortaram as toras e madeiras do telhado que cobriram com colmo de giestas.

Os alicerces da ermida foram construídos sobre as ruínas de uma antiga mesquita e mantiveram o mesmo traçado da construção anterior que por sua vez também fora construída no mesmo lugar onde os antigos celtas do castro que ali existia, tinham seu local de cultos e sacrifícios.

E assim começaram os trabalhos...



03/04/2013

Um Reino Maravilhoso (Trás-os-Montes)

Vou falar-lhes dum Reino Maravilhoso. Embora muitas pessoas digam que não, sempre houve e haverá reinos maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver, é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade, e o coração, depois, não hesite. Ora, o que pretendo mostrar, meu e de todos os que queiram merecê-lo, não só existe, como é dos mais belos que se possam imaginar. Começa logo porque fica no cimo de Portugal, como os ninhos ficam no cimo das árvores para que a distância os torne mais impossíveis e apetecidos. E quem namora ninhos cá de baixo, se realmente é rapaz e não tem medo das alturas, depois de trepar e atingir a crista do sonho, contempla a própria bem-aventurança.

Vê-se primeiro um mar de pedras. Vagas e vagas sideradas, hirtas e hostis, contidas na sua força desmedida pela mão inexorável dum Deus criador e dominador. Tudo parado e mudo. Apenas se move e se faz ouvir o coração no peito, inquieto, a anunciar o começo duma grande hora. De repente, rasga a crosta do silêncio uma voz de franqueza desembainhada:

- Para cá do Marão, mandam os que cá estão!...

Sente-se um calafrio. A vista alarga-se de ânsia e de assombro. Que penedo falou? Que terror respeitoso se apodera de nós?

Mas de nada vale interrogar o grande oceano megalítico, porque o nume invisível ordena:
- Entre!

A gente entra, e já está no Reino Maravilhoso.

A autoridade emana da força interior que cada qual traz do berço. Dum berço que oficialmente vai de Vila Real a Chaves, de Chaves a Bragança, de Bragança a Miranda, de Miranda a Régua.

Um mundo! Um nunca acabar de terra grossa, fragosa, bravia, que tanto se levanta a pino num ímpeto de subir ao céu, como se afunda nuns abismos de angústia, não se sabe por que telúrica contrição.

Terra-Quente e Terra-Fria. Léguas e léguas de chão raivoso, contorcido, queimado por um sol de fogo ou por um frio de neve. Serras sobrepostas a serras. Montanhas paralelas a montanhas. Nos intervalos, apertados entre os rios de água cristalina, cantantes, a matar a sede de tanta angústia. E de quando em quando, oásis da inquietação que fez tais rugas geológicas, um vale imenso, dum húmus puro, onde a vista descansa da agressão das penedias. Mas novamente o granito protesta. Novamente nos acorda para a força medular de tudo. E são outra vez serras, até perder de vista.

Não se vê por que maneira este solo é capaz de dar pão e vinho. Mas dá. Nas margens de um rio de oiro, crucificado entre o calor do céu que de cima o bebe e a sede do leito que de baixo o seca, erguem-se os muros do milagre. Em íngremes socalcos, varandins que nenhum palácio aveza, crescem as cepas como os manjericos às janelas. No Setembro, os homens deixam as eiras da Terra-Fria e descem, em rogas, a escadaria do lagar de xisto. Cantam, dançam e trabalham. Depois sobem. E daí a pouco há sol engarrafado a embebedar os quatro cantos do mundo.

A terra é a própria generosidade ao natural. Como num paraíso, basta estender a mão.

Bata-se a uma porta, rica ou pobre, e sempre a mesma voz confiada nos responde:

- Entre quem é! Sem ninguém perguntar mais nada, sem ninguém vir à janela espreitar, escancara-se a intimidade duma família inteira. O que é preciso agora é merecer a magnificência da dádiva.

Nos códigos e no catecismo o pecado de orgulho é dos piores. Talvez que os códigos e o catecismo tenham razão. Resta saber se haverá coisa mais bela nesta vida do que o puro dom de se olhar um estranho como se ele fosse um irmão bem-vindo, embora o preço da desilusão seja às vezes uma facada.

Dentro ou fora do seu dólmen (maneira que eu tenho de chamar aos buracos onde vive a maioria) estes homens não têm medo senão da pequenez. Medo de ficarem aquém do estalão por onde, desde que o mundo é mundo, se mede à hora da morte o tamanho de uma criatura.

Acossados pela necessidade e pelo amor da aventura emigram. Metem toda a quimera numa saca de retalhos, e lá vão eles. Os que ficam, cavam a vida inteira. E, quando se cansam, deitam-se no caixão com a serenidade de quem chega honradamente ao fim dum longo e trabalhoso dia.

O nome de Trasmontano, que quer dizer filho de Trás-os-Montes, pois assim se chama o Reino Maravilhoso de que vos falei.

Miguel Torga.


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