25/10/2013

Lavrar a alma.

 

Lavrar a alma com relhas de aço

Vi um lavrador  lavrar a alma com palavras fortes como o aço, lamentando a vida, as estações, a sorte. Vi que lhe rompiam o peito e rasgavam as fibras do coração, as ideias de vencer a sina de quebrar o fado, a realidade de comer o pão com o suor do rosto e a gana de matar a fome que lhe toma os dias.

Pensamentos que iam e voltavam como sulcos de uma lavra continua do chão do ser onde teimava em semear os sonhos de dias melhores de terras férteis fartura e prosperidade.

Ao rasgar a terra, rasgava a alma, virava a vida, eterna lavoura.

16/10/2013

Perguntas…

 

Capela da Sra. da Vila Velha em Castelo Branco Mogadouro

Ao fundo a capela da Vila Velha, na frente os choupos e freixos da ribeira, no meio os pensamentos e as visões de outros tempos doutras emoções. E o outono a moldar os sentimentos desta paisagem, tão querida tão distante.

Melancolia de tantas saudades de tantos rostos, momentos vividos, pessoas.

Tudo neste contexto, é vida. A minha a de meus pais, irmãos e de todos que ali nascemos, que neste cenário tomou forma e dele partiu para o mundo e para outras dimensões.

Quem vem a vila velha leva no peito a presença de tudo isto.

E por isso é bela. Por isto é impar e sem igual. Como a padroeira, que a todos recheia a vida com a fé. A intimidade deste lugar exige os olhos abertos para o divino, para o não material.

Sempre me questionei porque a capela fica de costas para o caminho que sai da aldeia e termina nela? Para onde aponta a porta? Que sentido tem esta escolha da orientação oposta ao caminho? Há sentido nesta posição?

28/09/2013

Papoulas



Campos de trigo
verdes de espigas,
Vermelhos de descobertas
Pão e sonhos,
Trabalhos e esperanças.

No mesmo campo,
O lavrador semeou os grãos,
Sustento do corpo.
E o Criador derramou as sementes,
Alento da alma.

 
 

12/05/2013

Cada vez mais

Cada vez mais,
Cada vez melhor.

Assim, na luz do dia.
Revejo o sonho
Que me mantinha
Preso a ti.

Minha paixão
Fez de mim teu servo
Em minha ilusão
Fulgor dos olhos
Relampejo da alma
O amor que te tenho
Dá-me vida...

Nasce a cada dia
O fruto de nosso amor
Nas palavras que dizemos
No vinho dos teus beijos
Na doçura de teus lábios

Amor, amor, amor,

Amor que um dia
Tão gigante
Imenso e profundo
Nascido de teu olhar
Crescido no peito.
Arrebatou minha vida.




10/05/2013

Portas abertas


Casas singelas, de portas abertas
Ruas que levam para perto,
Janelas escancaradas, livres.
Braços abertos.

Tudo aqui esta assim,
Sempre a espera.
Dos que chegam
Dos que partiram
Dos que ficaram.
Para receber
Para abraçar.



07/04/2013

Vila Velha

Ha muito tempo por ordem Del Rei, Dom Dinis, três frades da ordem Beneditino, chegaram a estes lados para pastorear o rebanho das almas dos cristãos que ocupavam as terras reconquistada dos sarracenos.

Os cavaleiros templarios da ordem de Cristo, lutaram durante anos para livrar estes vales dos invasores. Rios de sangue e batalhas sem fim fizeram ecoar nas encostas os gritos dos guerreiros e do aço das espadas. Mas enfim a paz reinou e as lutas mudaram para outras localidades ao sul do rio Douro. Enfim a população retomou as atividades de pastoreio e agricultura e fez-se necessário instruir os habitantes técnicas de cultivo que garantissem o sustento e a fixação para repovoar e garantir a continuidade do reino.

Os Beneditinos foram escolhidos pelo monarca pela característica mais pratica, eram frades que oravam e trabalhavam. No entorno de seus conventos as populações, cresciam e prosperavam graças aos ensinamentos dos frades, nas técnicas de cultivo e manuseio das terras, sementes, e criação de gado.

Um frade e dois noviços do convento foram enviados pelo abade do Priorado de Nossa Senhora da Assunção de Lamego para iniciar a paroquia de Santa Maria.

A primeira atividade foi erguer a capela que depois de pronta agregaria os fieis e aproximaria as almas de seus guias espirituais facilitando o trabalho de evangelização e aprendizado das lidas dos campos e rebanhos.

Vieram frades e gentes de varias paroquias e da sede do convento. Um grande mutirão que reuniu, aldeões, artesãos e religiosos de todo o concelho. Em duas semanas levantaram as paredes da nave principal e da sacristia. Depois em mais uma semana cortaram as toras e madeiras do telhado que cobriram com colmo de giestas.

Os alicerces da ermida foram construídos sobre as ruínas de uma antiga mesquita e mantiveram o mesmo traçado da construção anterior que por sua vez também fora construída no mesmo lugar onde os antigos celtas do castro que ali existia, tinham seu local de cultos e sacrifícios.

E assim começaram os trabalhos...



03/04/2013

Um Reino Maravilhoso (Trás-os-Montes)

Vou falar-lhes dum Reino Maravilhoso. Embora muitas pessoas digam que não, sempre houve e haverá reinos maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver, é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade, e o coração, depois, não hesite. Ora, o que pretendo mostrar, meu e de todos os que queiram merecê-lo, não só existe, como é dos mais belos que se possam imaginar. Começa logo porque fica no cimo de Portugal, como os ninhos ficam no cimo das árvores para que a distância os torne mais impossíveis e apetecidos. E quem namora ninhos cá de baixo, se realmente é rapaz e não tem medo das alturas, depois de trepar e atingir a crista do sonho, contempla a própria bem-aventurança.

Vê-se primeiro um mar de pedras. Vagas e vagas sideradas, hirtas e hostis, contidas na sua força desmedida pela mão inexorável dum Deus criador e dominador. Tudo parado e mudo. Apenas se move e se faz ouvir o coração no peito, inquieto, a anunciar o começo duma grande hora. De repente, rasga a crosta do silêncio uma voz de franqueza desembainhada:

- Para cá do Marão, mandam os que cá estão!...

Sente-se um calafrio. A vista alarga-se de ânsia e de assombro. Que penedo falou? Que terror respeitoso se apodera de nós?

Mas de nada vale interrogar o grande oceano megalítico, porque o nume invisível ordena:
- Entre!

A gente entra, e já está no Reino Maravilhoso.

A autoridade emana da força interior que cada qual traz do berço. Dum berço que oficialmente vai de Vila Real a Chaves, de Chaves a Bragança, de Bragança a Miranda, de Miranda a Régua.

Um mundo! Um nunca acabar de terra grossa, fragosa, bravia, que tanto se levanta a pino num ímpeto de subir ao céu, como se afunda nuns abismos de angústia, não se sabe por que telúrica contrição.

Terra-Quente e Terra-Fria. Léguas e léguas de chão raivoso, contorcido, queimado por um sol de fogo ou por um frio de neve. Serras sobrepostas a serras. Montanhas paralelas a montanhas. Nos intervalos, apertados entre os rios de água cristalina, cantantes, a matar a sede de tanta angústia. E de quando em quando, oásis da inquietação que fez tais rugas geológicas, um vale imenso, dum húmus puro, onde a vista descansa da agressão das penedias. Mas novamente o granito protesta. Novamente nos acorda para a força medular de tudo. E são outra vez serras, até perder de vista.

Não se vê por que maneira este solo é capaz de dar pão e vinho. Mas dá. Nas margens de um rio de oiro, crucificado entre o calor do céu que de cima o bebe e a sede do leito que de baixo o seca, erguem-se os muros do milagre. Em íngremes socalcos, varandins que nenhum palácio aveza, crescem as cepas como os manjericos às janelas. No Setembro, os homens deixam as eiras da Terra-Fria e descem, em rogas, a escadaria do lagar de xisto. Cantam, dançam e trabalham. Depois sobem. E daí a pouco há sol engarrafado a embebedar os quatro cantos do mundo.

A terra é a própria generosidade ao natural. Como num paraíso, basta estender a mão.

Bata-se a uma porta, rica ou pobre, e sempre a mesma voz confiada nos responde:

- Entre quem é! Sem ninguém perguntar mais nada, sem ninguém vir à janela espreitar, escancara-se a intimidade duma família inteira. O que é preciso agora é merecer a magnificência da dádiva.

Nos códigos e no catecismo o pecado de orgulho é dos piores. Talvez que os códigos e o catecismo tenham razão. Resta saber se haverá coisa mais bela nesta vida do que o puro dom de se olhar um estranho como se ele fosse um irmão bem-vindo, embora o preço da desilusão seja às vezes uma facada.

Dentro ou fora do seu dólmen (maneira que eu tenho de chamar aos buracos onde vive a maioria) estes homens não têm medo senão da pequenez. Medo de ficarem aquém do estalão por onde, desde que o mundo é mundo, se mede à hora da morte o tamanho de uma criatura.

Acossados pela necessidade e pelo amor da aventura emigram. Metem toda a quimera numa saca de retalhos, e lá vão eles. Os que ficam, cavam a vida inteira. E, quando se cansam, deitam-se no caixão com a serenidade de quem chega honradamente ao fim dum longo e trabalhoso dia.

O nome de Trasmontano, que quer dizer filho de Trás-os-Montes, pois assim se chama o Reino Maravilhoso de que vos falei.

Miguel Torga.


31/03/2013

Feliz Pascoa

Amêndoas e folar.
Ruas de alecrim,
Papoulas e malmequer,
enfeitam o chão.
Vai sair a procissão,
Do adro pelo eiró,
desce pelo vale,
sobe ate a praça
para chegar na estrada.

E páscoa, aleluia,

Os campos de trigo
Verdejam floridos,
As vinhas rebentam
As amendoeiras
Floresceram sem geada.

Cantamos, aleluia.

As famílias reunidas
Vieram pelo folar.

E aleluia, aleluia
Vamos cantar.

30/03/2013

Papoulas


Campos de trigo
verdes de espigas,
Vermelhos de descobertas
Pão e sonhos,
Trabalhos e esperanças.

No mesmo campo,
O lavrador semeou os grãos,
Sustento do corpo.
E o Criador derramou as sementes,
Alento da alma.


28/02/2013

Minha aldeia

Tudo é tão lindo visto daqui
As ruas, casas, telhados, muros
Homens, mulheres, animais.

Aquarela viva, cenario, presépio.
Tudo tem seu lugar e proposito
E parece tao certo, eterno e presente.
So os que sabem disso,
Tem nos olhos o encanto de ver, que
A vista mais bela é a da minha aldeia,

Pois o mundo não é tão grande nem maior que a minha aldeia,
Porque não cabe dentro nem passa por ela.

O Mundo tem grandes cidades
E se revive, existe, nelas somente.
Como tantos que buscam em tudo o que lá não está,
Pois que a memória das gentes é vaga.

Minha aldeia esta ali onde sempre esteve,
Poucos sabem disso,
E sequer me importo com isso.

O mundo ficou pequeno
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem onde estão
E para onde vão
E donde veem
E por isso ele pertence a tanta gente,

É mais livre e maior o povo da minha aldeia.
Chegar na minha aldeia é sair do mundo,
Para entrar em outro mundo.
Para alem do qual há outros lugares.

Ninguém nunca pensou no que lá há antes.
E depois que importância isso tem?
Minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está nela, está apenas nela.

No mundo ninguém sabe nunca onde esta.
E vive com pressa de ir, de chegar, de partir.

Aqui vive-se um dia depois do outro.
E viver e estar são a mesma coisa.

No fim ou no começo.
Tudo é.




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